O Anoitecer

Eu estava sentada tranquila trabalhando. Era um 31 de janeiro e o ano tinha começado com força total. Depois de muito tempo eu finalmente havia consiguido tirar uma semana de férias na virada e estava com forças para realizar os muitos projetos que o ano prometia. Nosso novo negócio, um espaço de coworking, estava completando sete meses de sua abertura. Havíamos conseguido atingir o ponto de equilibrio nas contas e tínhamos contratos de doze meses com três de nossos clientes, o que nos permitia alguma paz mental para investir em aumentar os retornos do negócio.

Além disso, nossas iniciativas no marketing digital estavam pegando alguma tração. Eu havia entrado em um importante grupo de mastermind e iríamos fazer o primeiro congresso online criado por mulheres do país. Era apenas o quarto evento deste tipo naquele momento no Brasil. Estávamos abrindo portas.

Mas aquela tranquilidade da tarde de trabalho foi interrompida por um telefonema. Era meu marido ligando da emergência do hospital. “Gi, meu olho foi queimado com soda cáustica, estou no hospital”.

Eu desliguei o telefone e saí literalmente correndo. O hospital ficava a apenas duas quadras. Naquele dia assisti ao médico remover toda a córnea queimada do meu marido com um cotonete. Na minha frente.

O que significa a Noite Escura da Alma?

O termo ‘Noite Escura da Alma’ é usado no cristianismo para referir-se à crise espiritual no caminho rumo à união com Deus. Ele faz referência a um poema escrito pelo poeta e místico cristão espanhol São João da Cruz , no século XVI . A Noite Escura é o período em que aquele que busca sente dúvidas e conflitos.

O termo é usado popularmente para se referir aos períodos de turbulência na busca pela própria evolução, pelo crescimento pessoal. São os momentos em que ‘perdemos o chão’, enfrentamos desafios, duvidamos de nós mesmos e de nossas crenças mais profundas (quaisquer que sejam elas).

Na “Jornada do Herói” de Joseph Campbell, que narra o caminho de toda jornada de transformação, também existe a passagem pelo abismo, uma provação com morte e renascimentos simbólicos.

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Noite Escura no Empreendedorismo

No relatório Causa Mortis do SEBRAE, é apontado que 9% das empresas que fecham nos primeiros cinco anos, alegam problemas particulares na vida do empreendedor.

É por isso que entender esse processo é tão importante. Para que possamos reconhecê-lo.

O acidente de meu marido marcou o início de uma série de eventos que aconteceriam naquele ano. Os meses que se seguiram foram dedicados ao cuidado com a recuperação de sua visão (ao contrário de todos os prognósticos médicos, ele acabou por recuperar mais de 90% da visão), e também com a realização do Conamemp. Enquanto isso acontecia, dois dos três clientes que garantiam nosso ponto de equilíbrio no espaço compartilhado quebraram seus respectivos contratos de doze meses (cada um deles com seus próprios motivos, mais que compreensíveis) e o coworking ficou em risco. Com toda essa incerteza tive de deixar o mastermind do qual participava e a relação com um dos meus três sócios começou a ficar cada vez mais delicada.

Em função de tudo isso, comecei a questionar tudo. O propósito do empreendedorismo. O meu propósito de vida. A posição do empreendedorismo digital no Brasil. O meu posicionamento neste universo empreendedor. O meu desejo de ter um espaço de coworking. Os modelos de negócio dos projetos que eu possuia. O meu desejo de empreender. Tudo.

E mais um pouco.

Foi uma Noite Escura da Alma. Escura. Difícil. Dolorida. Complexa. E Lenta.

Apenas quando duvidamos, crescemos

Quando Maomé recebeu a revelação do Alcorão, sua primeira reação foi achar que estava louco. Que estava tendo alucinações. Ele duvidou de si mesmo e de tudo o que estava acontecendo. Segundo sua biógrafa Lesley Hazleton, esse foi o fato que tornou a figura do profeta mais humana para ela. A dúvida de Maomé, tornou seu aprendizado e seu legado mais potentes em sua visão.

Nas histórias de todos os grandes mestres houve períodos de intensa dúvida e questionamento. Períodos de desafios e lutas. E mesmo com esses grandes exemplos, costumamos nos martirizar quando passamos por períodos assim. É como se precisássemos ter as certezas para termos valor. E o que aprendi neste meu processo, foi o mesmo que Lesley fala, que a dúvida nos torna mais humanos e mais reais. Essa vulnerabilidade é o que nos aproxima e o que nos dá força.

Não sei se encontrei todas as respostas que buscava. Ainda luto com uma série de questionamentos. Mas enquanto passava por essa parte da jornada eu a reconheci. Eu sabia o que estava acontecendo. Sabia que era um ciclo de Noite na minha jornada empreendedora. E em função disso, consegui ter perspectiva, consegui exercitar a paciência, consegui encontrar alguma calma para passar pelo processo. E ele fortaleceu minha resiliência.

Atravessando sua Noite Escura

Eu só consegui enxergar que estava passando por essa Noite Escura porque tenho há muito tempo o costume de observar a mim mesma, de buscar a auto consciência. Essa é uma ferramenta importantíssima para qualquer empreendedor, para que ele entenda a cada momento o que está influenciando suas escolhas.

Foi através dessa observação que pude extrair alguns aprendizados que repasso para você, na esperança que o ajudem também, caso esteja passando ou venha a atravessar sua própria Noite Escura da Alma.

1 – Paciência
O primeiro passo para lidar com estes ciclos é exercitar a paciência. Não estou falando de desistir e ficar passivo sem fazer nada. Mas sim, de criar a consciência que as coisas muitas vezes têm um tempo diferente do nosso, e que precisamos respeitá-lo.

2 – Empoderamento
O segundo passo é nos empoderarmos. É preciso que deixemos de lado o papel de vítimas das circunstâncias e que tomemos as rédeas da situação nas mãos. Pois apesar de não termos o controle sobre tudo o que nos acontece, temos sim o controle sobre as respostas que damos ao mundo. Se você se sente vítima, não tem poder nenhum para mudar seus rumos. E você não é uma vítima.

3 – Bons Exemplos
Um dos passos da jornada do mito do herói é o encontro com o mestre. Mas é importante escolher bem nossos mestres.
No universo digital temos opções às dúzias por aí. Então é importante observar quem está falando, quais os valores dessa pessoa, de onde ela está vindo. Mestres que pregam a perfeição, que ficam apenas mostrando um paraíso perfeito que pode ser facilmente alcançável, geralmente são fundamentalistas e criam parâmetros quase sempre impossíveis de se atingir. E esse tipo de coisa só perpetua nosso ciclo de escuridão, pois nunca seremos bons o suficiente.

4 – Resiliência
Exercitar nossa resiliência, nossa capacidade de atravessar as adversidades e sairmos melhores do lado de lá é importantíssimo. Se quiser entender melhor este item, dá uma olhada neste artigo que escrevi sobre o assunto.

Atravesse sua Noite Escura

Em sua entrevista para o meu livro Empreenda com Menos, o empreendedor Marcelo Ostia disse que “a pessoa tem que estar disposta a passar por alguns desafios, a ganhar, a perder. Faz parte. Às vezes você está no topo, às vezes você tem que dar uma descida, e ficar em stand by, às vezes tem que assistir ao jogo, às vezes você tem que estar dentro do jogo. Tem que ser meio um camaleão. Tem que saber transitar.” E eu concordo com ele. No empreendedorismo, assim como na vida, não existe o ‘foi feliz para sempre’.

Nem tudo é um dia iluminado de sol, às vezes temos nossas Noites Escuras. E se você passar por uma dessas, meu desejo é que decida aprender com a jornada. Que tenha paciência e tome as rédeas do processo para que saia do outro lado mais resiliente. Para que saia sempre, uma pessoa melhor. Um melhor empreendedor.

E se desejar, sugiro que contribua com o assunto nos comentários aqui abaixo do post, assim podemos enriquecer essa conversa e nos ajudar uns aos outros ainda mais.

Beijo grande.